terça-feira, 28 de setembro de 2010

O FIM PÚRPURA DE UM DESAFORTUNADO


Há aqueles dias em que a vida parece sorrir para nós, mas são tão raros que podemos nos questionar, eles de fato existem? Já passava das três da manhã quando por fim decidi deixar o bar. Me restavam dois cigarros no maço quase dobrado ao meio no bolso de minha calça, o dinheiro também escorreu por entre meus dedos direto para as mãos do velho fétido, mal vestido e de cara feia que ficava atrás do balcão naquele ninho de perdedores.

Bebo em lugares deste tipo há muito tempo. Não exigem que você se vista bem ou se comporte de maneira educada. No momento tenho 32 anos, dos quais 12 deles passei casado com uma mulher insana. Nos conhecemos no Rock in Rio, nem me lembro mais em qual deles. Ela vomitou em mim e eu quis matá-la, pois estava usando uma de minhas melhores camisas na época. Lembro-me que no momento rebusquei em minha já alterada mente, palavrões que expressassem todo o ódio que sentia dela, quando ela disse, — Me leve pra casa? Eu respondi, — Vá para o inferno! Não vê que por sua culpa, terei de assistir o Iron Maiden sem a camisa oficial deles... Ela me olhou por algum tempo e parecia estar tramando contra a minha vida. Tinha algo em seu olhar que me perfurava intensamente, ela falou com um sorriso no canto da boca, — Posso te recompensar se vier até o meu carro comigo. De repente eu compreendi tudo, ela me queria, e para forçar uma aproximação vomitou em mim. Minha atração por ela vinha daquele estilo sutil e agressivo de ser.

A noite estava fria. Deixei o bar e cambaleei por uma rua onde eu sabia que havia prostitutas esperando por um cliente qualquer. Leoas famintas pelo dinheiro nos míseros bolsos de solitários tímidos demais ou feios demais.  Avistei um pequeno grupo na esquina, poderiam ser travestis, mas eu teria que me certificar. Alinhei minhas roupas e cabelo e me esforcei para andar normalmente. Eram quatro mulheres, quase sem roupa, tive pena delas, eu vestia duas camisas e uma jaqueta de couro e sentia frio.
 — Boa noite miladies. Por acaso alguma de vocês saberia me dizer exatamente que horas são? — Depende querido, se você estiver afim de um pouco de carinho. Disse uma delas, empunhando um cigarro e caminhando de forma envolvente em minha direção. Encarei-a corajosamente e respondi.
 — Quero tudo que você tem a oferecer e um pouco mais. Ela gargalhou ruidosamente olhando para suas companheiras de ponto, como quem diz este já é meu, morram de inveja.
Pensei comigo, pobre coitada quando descobrir que só tenho minhas palavras e minha carne para oferecer em troca de suas habilidades profissionais. — Nós temos que combinar antes, eu não faço por traz entendeu? — Como quiser meu bem. Eu também não faço, respondi me apoiando nela.

Caminhamos juntos, ela disse que tinha um apartamento onde poderíamos ficar a vontade. Tentei esboçar qualquer conversa para descobrir mais a seu respeito. Na realidade eu queria descobrir qual era seu ponto fraco, para então atacar e ganhar a noite sem gastar o que eu já não tinha e sem apanhar de nenhum cafetão.
Mas a linha de pensamento dela era tão absurda que não pude me concentrar em mais nada além de seu corpo escultural, é fato que também minhas faculdades não estavam em perfeito estado. Tive medo de me dar mal mais uma vez.  Tentei me recompor, e desistir do programa, apenas ir para casa e esperar pela ressaca do dia seguinte. Quando ela me agarrou pelo braço e me levou através de uma pequena porta para um corredor tão escuro quanto à própria noite. Atravessamos o corredor até um pátio com alguns quartos. Aqui é minha casa, disse ela como se ali fosse um bom lugar para se viver. Por alguns segundos me perdi em devaneios. De como minha existência era agradável perto da forma que aquela mulher vivia. Entramos, um quarto pequeno pintado de púrpura, com uma cama de casal no centro e um guarda roupas no canto. Sente-se e fique a vontade, vou ao banheiro e já volto. Pensei, mas que droga, o que diabos estou fazendo aqui, não posso simplesmente abusar desta criatura. Posso não ter dinheiro, mas ainda tenho princípios. Um porta-retratos em cima do criado mudo me chamou a atenção naquele momento, exibia a foto de um cão branco e preto. Era incrível como o bicho parecia sorrir para a câmera. — Você ainda está vestido querido? Vamos lá, deita ai, ela gritou de dentro do banheiro. Voltei para a realidade ao ouvir a voz dissonante dela, vinda de uma realidade paralela. Este cão é seu? Perguntei com tom de seriedade. É sim, o nome dele é Snoop, é uma graça não acha?  Será que as pessoas não conseguem dar nomes diferentes para seus queridos cães, Snoop? Enquanto pensava em bons nomes para cães como Zeus, Mercúrio, Odim... Senti braços me envolvendo por traz, o meu sangue imediatamente passou a pulsar com mais intensidade. Quer ajuda para relaxar um pouco? Disse ela, me envolvendo gentilmente em seus braços. Espera, eu disse. Tenho algo a dizer. – Ela me ignorou e continuou a fazer o sabe fazer de melhor. Minhas tentativas de fazê-la parar foram todas inúteis, meu corpo pedia por aquilo e minha razão já não tinha controle sob meus atos.

Ao final, acendemos um cigarro cada um. Claro tive que pedir um, já que os meus haviam se partido. Fumamos falando sobre um filme que ela viu um dia antes, e de filmes eu sei um pouco. Ela se levantou e foi ao banheiro, eu tive curiosidade em ver como era lá dentro, julgando pela aparência do quarto. Pensei, vou correr agora, enquanto ainda é tempo. Mas algo, talvez o que restou de meus princípios, me fez esperá-la para me desculpar por não ter nenhum dinheiro e também agradecê-la pela noite agradável.
Ela voltou, toda montada outra vez, mal pude acreditar que se tratava da mesma pessoa. — São 100 reais querido, disse sorrindo como uma vendedora de doces. — Ouça, posso te pagar outro dia, eu prometo que pago o dobro.

Seu filho da puta. Eu sabia que você tava me dando o golpe, onde já se viu não ter cigarro. Ela gritou violentamente, golpeando o ar. Suma da minha frente, antes que eu chame o meu amigo pra ele acabar de uma vez com a tua raça, golpista do caralho. Se você aparecer de novo por aqui e não me pagar, juro que corto o teu pinto fora ouviu filho da puta?
 Saí do quarto e caminhei rápido para fora, aterrorizado com a idéia do tal amigo, aparecer para verificar o motivo dos gritos. Uma vez na rua, me senti leve e feliz, até então a noite fora um sucesso.

Pensei, para terminar com estilo, eu precisava de um bom trago. Procurei um bar que se encaixasse no meu perfil, mas todos já estavam fechados. O escuro da noite já não era tão escuro, um leve brilho manchava os céus. Até que me deparei com um lugar bonito e iluminado com muitos jovens bêbados à porta. Entrei sem pensar, me aproximei do bar e pedi uma dose de uísque. O burro do cara me serviu sem pestanejar, virei em um só gole e sorri. Sorri como há muito tempo não sorria, afinal as pessoas não me julgaram a primeira vista naquele lugar, e nem a garota de programa. Acredito que algo irá mudar na minha vida de agora em diante.
Andei pelo bar, fui ao banheiro, fingi estar dançando e quando notei o segurança falando com um grupo de meninas, sai do lugar mais rápido que um gato quando se sente ameaçado. 

O uísque bateu, fiquei bobo e grogue por não ter me alimentado bem. A noite dava lugar ao dia e as cores no firmamento me fizeram lacrimejar, não me lembrava de ter visto algo mais lindo nos últimos anos. Vaguei pelas ruas observando e me regozijando de prazer, eu sorria por estar vivo, mesmo que minhas condições não fossem as melhores.
Não percebi quando um carro desceu a rua a toda velocidade me atingindo mortalmente. Meu crânio se partiu quando bati com a cabeça no meio fio. Meu último flash de pensamento foi a respeito da mancha púrpura que invadia o céu aniquilando por completo a melhor noite de todas.         
      

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